Os 3 mil anos das Itacoatiaras de Ingá pedem socorro e podem desaparecer
Os 3 mil anos das Itacoatiaras de Ingá pedem socorro e podem desaparecer
Texto e Fotos: Rogério de Almeida especial para www.rcvips.com.br
e-mail: rogerioalmeidaturismo@yahoo.com.br
A erosão, vandalismo e não implementação do Parque Arqueológico das Itacoatiaras de Ingá coloca em risco um patrimônio único de mais de 3 mil anos de história da Paraíba. Localizadas a 70 km de João Pessoa e a 40 km de Campina Grande, onde se destaca uma grande pedra de 24 m de largura por 3 m de altura, em meio a blocos de gneiss, estrangulando um rio, as Itacoatiaras tem chamado a atenção de estudiosos de todo o mundo.
Tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 30 de novembro de 1944, por iniciativa de José Anthero Pereira Júnior, da Universidade de São Paulo, as Itacoatiaras de Ingá, (“pedras riscadas” em tupi) estão a mercê das chuvas que enchem o Rio Ingá, agravando o processo de erosão, deste que é um dos mais importantes monumentos rupestres do país. A ação intermitente da chuva e do sol provoca choques térmicos que resultam em escamações da pedra com a perda gradativa de caracteres impressos em baixo relevo.
Além das ameaças ambientais são ainda mais danosas as humanas. Até bem pouco tempo houve comprovação de que vândalos praticavam tiro ao alvo na pedra. Foi construído um muro de proteção, segundo o voluntário Renato Alves da Silva que desde 2003 cuida do local diariamente, das 7 às 16 horas, juntamente com sua mulher Cecília. Os dois são responsáveis pelo bar e venda de cartões postais e souvenirs como a literatura de cordel contando a história da Pedra do Ingá, numa visão de um sertanejo, como o texto de autoria de Vanderley de Brito.
A grande preocupação de Renato é que quando chega o período noturno não existe vigia no local. “Ninguém tem idéia do que ocorre à noite na Pedra. Se alguém vier com um equipamento cortante pode levar todas as inscrições e só vamos tomar conhecimento no dia seguinte”, adverte o voluntário que me recebe sem camisa na entrada da recepção.
Para Balduíno Lélis, um dos maiores e assíduos pesquisadores da Pedra do Ingá esta correu risco de desaparecer completamente em 1953, quando foi construída no local uma pedreira e por pouco as Itacoatiaras não se transformaram em paralelepípedos para calçamento das ruas de João Pessoa. Quem acionou a justiça foi o paleontólogo, etnólogo, pesquisador Leon Francisco Rodriguez Clerot, conseguindo assim salvar as inscrições para a posteridade.
“Essa pedra é o que põe Ingá no mapa. Se ela desaparecer, a cidade some junto”, comenta Renato que me conduz até o local das inscrições rupestres, onde me deixa sozinho com minha maquina fotográfica e retorna à recepção. Ao chegar ao local encontro um casal de namorados, bastante lixo (garrafas Pet vazias, copos descartáveis), e mato crescendo junto aos caracteres da pedra que segundo os estudiosos remontam à fase da pré-história brasileira.
Tão antigo quanto as pedras são os desejos e projetos de preservação do local, para Balduíno Lélis autor de “Inscrições rupestres: as Itacoatiaras do Ingá em Capítulos de História da Paraíba”, organizado por José Otávio de Arruda Melo, deveria ser construída uma cobertura móvel e sanfonada, que poderia ser recolhida quando fosse menor a incidências dos raios solares. Balduíno chegou a construir uma reprodução rochosa por encomenda do Banco do Estado da Paraíba há alguns anos atrás e que mostram figuras que hoje já não existem em decorrência da erosão. Outro projeto é do desvio de um pequeno trecho do rio e a cobertura de uma área de cem metros quadrados acima das inscrições rupestres.
Mistérios- Quem visita a Pedra do Bacamarte, como o sertanejo chama as Itacoatiaras de Ingá fica impressionado com as inscrições rupestres que se destacam pela forma e dimensão. Apesar de alguns espaços na rocha em que se nota claramente a retirada de partes dos caracteres, estes surpreendem pelo conteúdo explícito das figuras humanas, lagartos e pássaros como pelos desenhos abstratos. Eram os deuses astronautas? Ou os fenícios visitaram a Paraíba muito antes dos franceses, portugueses, espanhóis ou holandeses?
Os caracteres, largos, têm conteúdo tanto explícito (figuras humanas, lagartos e pássaros) quanto desenhos abstratos. A Pedra de Ingá foi estudada, copiada, fotocopiada, fotografada por estudiosos do mundo inteiro, entre eles a professora de Antropologia da Universidade Federal da Paraíba Ruth Almeida, descobridora de quase cem sítios arqueológicos no interior paraibano. Ela não tem dúvida de que as inscrições em baixo relevo são de tribos primitivas que habitaram a região.
Realizando percussão pedra sobre pedra, segundo Ruth essas tribos teriam feito sulcos depois acentuados, em gneiss duríssimo, com a fricção de areia. Outros estudiosos discordam da idéia de que a Pedra do Ingá seja apenas produto de brincadeiras de desocupados povos primitivos não contendo linguagem hierográfica ou não passando de arte rupestre. Há quem garanta que uma pedra apresente o desenho que parece uma cópia xérox da Constelação de Órion. Uma das pedras emite sons metálicos com badaladas de um sino, aumentando ainda mais os mistérios, pois a pedra não é oca.
Balduíno Lélis vai mais além e enxerga a ocorrência de linguagem matemática e figuras que são, por dimensionalidade, múltiplos de três. O professor Francisco Farias, da Universidade Federal da Paraíba já vê semelhanças entre as gravuras paraibanas e caracteres observados na Ilha de Páscoa. Todo mundo tem o seu palpite. Alguns acham que foram seres extraterrestres e na era dos hippies era o local mais procurado pelos bichos-grilos para seus rituais de paz e amor. .Para muitos, o que está li gravado não é texto, não é escrita. “Deve ser sistema mnemônico para ajudar aqueles que o gravaram a memorizar algo da vida deles, do cotidiano”, a firma um pesquisador.
De concreto quem consagrou a Pedra do Ingá nos meios arqueológicos foi Eric Van Daniken, autor de “Eram os Deuses Astronautas?” que cita as Itacoatiaras como lugar de visitação por seres de outros planetas. Em 1967, o americano Cyrus Gordon após ter acesso a documentos de 1874 de Wilberforce Eames, afirma que uma missão fenícia teria chegado a Paraíba há mais de 3 mil anos. Gordon chegou a publicar o livro “Before Columbus” (Antes de Colombo) uma obra que faz a tradução do que acreditava ser a “Pedra da Paraíba” registrando o que classificava da presença fenícia na América do Sul.
Eis a leitura das Itacoatiaras segundo Gordon: “Somos filhos de Canaã, de Sidon, a cidade do rei. O comércio nos trouxe a essa distante praia, uma terra de montanhas. Sacrificamos um jovem aos deuses e deusas exaltados no 19º de Hiram, nosso poderoso rei. Embarcamos em Ezion-geber no Mar Vermelho e viajamos com dez navios. Permanecemos no mar juntos por dois anos, em volta da terra pertencente a Ham (África), mas fomos separados por uma tempestade e nos afastamos de nossos companheiros e assim aportamos aqui, doze homens e três mulheres. Numa nova praia que eu, o almirante, controlo. Mas auspiciosamente possam os exaltados deuses e deusas interceder em nosso favor.”
A verdade é que tanto para Cyrus Gordon como para a francesa Gabriela Martins, as Itacoatiaras da fazenda Pedra Lavrada, em Ingá, embora não devidamente estudadas constituem as inscrições pré-históricas mais importantes do mundo. Mais tarde se descobriu através da leitura do livro “Viagem ao Desconhecido” de autoria do jornalista paraibana Gilvan de Brito que Gordon havia sido vítima da má fé de alguém que teria repassado para ele um texto bíblico em caracteres fenícios. Já o sertanejo não acredita nesta história de fenícios, mas que no local existe mesmo é uma botija (um pote ou baú com dinheiro que teria sido enterrado, ou oculto na parede, por avareza de algum senhor rico).
Durante as décadas de 1930 e 1970 pesquisadores do mundo inteiro se deslocaram até Ingá. As visitas esses de pesquisadores internacionais sobre as itacoatiaras do Ingá remontam ao início do Século XX. As visitas mais polêmicas ocorreram entre as décadas de 1930 e 1970. Um egípcio, um norte-americano, um italiano e um australiano chegaram a levantar teses revolucionárias sobre a origem das itacoatiaras. O egípcio achou semelhanças das esculturas com o curso do Rio Nilo, que atravessa vários países da África. O italiano ficou crente de que aquilo tudo era obra dos hititas, um povo citado na Bíblia, a quem se atribui a descoberta do ferro e seu uso pioneiro como arma de guerra. O australiano decifrou as itacoatiaras como se fosse "um painel estelar". E o americano encontrou ali a história de uma expedição fenícia, perdida em terras da América.
Parque Arqueológico- Para salvar as Itacoatiaras em fevereiro de 2005 foram assegurados recursos para a implantação do projeto do Parque Arqueológico Itacoatiaras do Ingá. O projeto elaborado pela Empresa Paraibana de Turismo (PBTUR) e Superientendência de Planejamento do Governo do Estado da Paraíba (Suplan) estava orçado em R$1.419.857,00, com recursos oriundos do Ministério do Turismo e Governo do Estado. Na época a idéia era transformar o atual Sítio Arqueológico do Ingá, em um Centro de Arqueologia de referência nacional, com o objetivo de proteger, divulgar e utilizar racionalmente o parque.
A presidente da PBTUR, Ruth Avelino, confirma que o projeto geral compreendia três etapas. Na primeira seriam aplicados R$ 462.707,00 com a construção de um centro de referência de arqueologia, estrutura de delimitações do parque, loja de artesanato, lanchonete, um portal de entrada, além das indenizações de imóveis. Mas o projeto não foi adiante. Enquanto se aguarda o Parque Arqueológico, a grande verdade dita pelos cientistas e pesquisadores como o americano Cyrus Gordon e a francesa Gabriela Martins, é que as Itacoatiaras da fazenda Pedra Lavrada, em Ingá, embora não devidamente estudadas constituem as inscrições pré-históricas mais interessantes, enigmáticas e importantes do mundo e precisa da atenção de todos os que prezam pelo nosso patrimônio.