Cinema brasileiro
A preservação do audiovisual faz parte da vida do jornalista José Maria Lopes há quase 50 anos. O restaurador de filmes antigos e gerente do Centro de Documentação (Cedoc) da TV Cultura foi um dos homenageados da 15ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro e recebeu o Troféu Aruanda pela contribuição na defesa da preservação e memória audiovisual brasileira.
Na entrevista que segue, José Maria fala da emoção em ter o reconhecimento de tantos anos de trabalho dedicados à arte da conservação dos filmes, a importância da preservação do audiovisual e das perspectivas para o futuro do cinema. “É a minha vida, sou apaixonado pelo que faço. Nós temos que preservar todo conteúdo produzido para que não haja surpresas futuramente. Mesmo com toda a tecnologia, não confio em nenhum material digital até hoje”, comenta.
O que significa trabalhar com a restauração do audiovisual brasileiro? Como se sente preservando os registros do cinema?
A minha maior alegria é quando recebo um filme para restaurar e finalizo com sucesso. Isso me dá ainda mais força pra continuar o meu trabalho. Me transformo no médico da família quando vou restaurar um filme, assim como quando vão operar alguém. Não sei até quando vai durar, mas espero que pelos próximos 150 anos. Ser restaurador do audiovisual é ter a felicidade de compartilhar seu trabalho com as pessoas.
Há quanto tempo trabalha com preservação de filmes?
São 54 anos cuidando da memória do audiovisual. Na TV Cultura, são 41 anos preservando o grande acervo, que é um dos maiores da TV brasileira. Também trabalhei no Museu da Imagem e do Som durante 25 anos, deixando o maior arquivo recuperado, restaurado e identificado.
São cerca de 50 anos de trabalho com preservação e cinema brasileiro e internacional. Neste período, restaurei muitos filmes internacionais dos anos 60 e 70, obras que eram proibidas na TV, em uma época em que cortavam e proibiam tudo.
Como funciona o trabalho de restaurador de filmes?
Em breve, vou assumir o cargo de assessor do vice-presidente na TV Cultura, em que será realizado um trabalho manual, na Moviola — marca de equipamento de montagem cinematográfica, que, em muitos países, tornou-se sinônimo de mesa de montagem —, no projetor os cortes. No equipamento, é feita a limpeza e a restauração e, em seguida, o material é levado ao laboratório para produzir uma película nova.
A facilidade de filmar e produzir obras audiovisuais na atualidade pode atrapalhar o cinema?
Não confio em nenhum material digital até hoje, não tenho essa garantia. Discuti com gênios da tecnologia na Califórnia, no Vale do Silício, e disse que não queria nada na nuvem.
Não tem segurança, alguém pode invadir. Hoje, há essa facilidade de fazer cinema com celular e câmera, mas é difícil preservar este material.
Recentemente, restaurei o filme “No enterro do Cartola”, dos anos 60. O material está intacto, bonito, limpo, com ótimo som, perfeito porque é cinema. Há uma diferença do vídeo para o cinema, porém, é possível transformar vídeo em cinema por meio da quinoscopia — processo de conversão de um filme em vídeo para película — e a duração será de muitos anos.
Como foi receber a homenagem do Fest Aruanda?
Foi uma grande emoção ter o reconhecimento da Academia de Cinema e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) pelo meu trabalho, que é contínuo e renovado o tempo todo. Venho me atualizando na preservação, conservação e transformação para as novas mídias digitais e é muito gratificante receber esta homenagem, justamente na Paraíba, que é a terra do cinema atual, em um festival reconhecido em diversos países, como França, Espanha e Estados Unidos.
Estou muito feliz e espero contribuir o tempo todo com o festival, colaborando na luta pela preservação da memória do cinema, não só da Paraíba, mas do Brasil. Os filmes do país inteiro estão “morrendo” e precisam de ajuda. Estou aqui para isso.
O que representa o Fest Aruanda pra você?
A iniciativa é realmente impactante. Já é um festival reconhecido em vários lugares do Brasil e do mundo, e espero que cresça ainda mais. Afinal, é um festival que luta pelo cinema paraibano, que defende e reconhece os artistas locais. Eu, particularmente, estou “aruandando” há tempos. Viva o Aruanda, como diz Lúcio Vilar — diretor-executivo do evento — “vamos todos aruandar”.