O Império da Moda

Miranda – Algo engraçado?
Andy – Não, nada. É que para mim estes dois cintos são iguais. Eu ainda estou aprendendo sobre essas coisas.
Miranda – Essas… coisas? Ah, ok, entendi. Você acha que isso não tem nada a ver com você. Você vai até o seu guarda-roupa e escolhe esse sweater azul folgado para dizer ao mundo que se leva muito a sério pra se importar com o que veste. O que você não sabe é que esse sweater não é apenas azul. Nem turquesa, nem lápis-lazúli. Na verdade, é cerúleo. E você também não tem a menor noção de que, em 2002, Oscar de la Renta fez vestidos cerúleos e Yves Saint Laurent fez jaquetas militares cerúleas. E o cerúleo logo foi visto em oito coleções diferentes. E acabou nas grandes lojas de departamento e, um tempo depois, em alguma lojinha vagabunda onde você, sem dúvida, o comprou em uma liquidação. No entanto, esse azul representa milhões de dólares e incontáveis empregos. E é até meio cômico que você ache que sua escolha a isente da indústria da moda quando, de fato, você usa um sweater que foi selecionado pelas pessoas nesta sala.
Esse diálogo (tradução livre) faz parte de uma cena ontológica do filme O diabo veste Prada (2006), dirigido por David Frankel, em que Miranda Priesley (Maryl Streep) – diretora da renomada revista de moda Runway – dá uma aula sobre o potencial de alcance da indústria da moda para Andy Sachs (Anne Hathaway), uma jornalista recém-formada, que almeja escrever no New Yorker, mas acaba se tornando a segunda assessora da despótica diretora.
Andy representa, no início do filme, aquela parcela da sociedade que acredita ser a moda apenas futilidade e alienação. Por isso, crê ter sido revestida de uma cápsula absolutamente blindada que a imuniza dessas “coisas”. Mas o sistema da moda demoliu essas resistências (da prática e nem sempre do discurso), no mundo globalizado. Perpassa todos os segmentos da produção e do mercado, seja na indústria automobilística, no comércio editorial, na arquitetura, no âmbito alimentício ou mesmo no vestuário, chamado pelo filósofo Gilles Lipovetsky de “o domínio arquetípico da moda”.
É, no mínimo, inocente se julgar distante – ou acima – do seu alcance. Numa sociedade que vive de espetáculo, o apelo estético da moda é central. Se nos localizamos num mundo em que o discurso hegemônico evoca o prazer, o viver o tempo do presente imediato, a moda é o fenômeno que movimenta essas mudanças, cada vez mais efêmeras e mais expandidas. Numa conjuntura em que se confunde o ideal de liberdade e o individualismo com consumismo, ela se torna soberana.
As lutas simbólicas de hierarquias entre grupos e indivíduos aliam-se à ela, utilizando-a como instrumento de pertencimento, por um lado, e segregação, por outro. Por meio dela, grupos e tribos urbanas constroem e reproduzem símbolos materiais de identificação. Indivíduos se homogenizam ou se destacam visualmente. De modo velado ou declarado, acabamos por legitimá-la.
Os meios de comunicação de massa corroboram com o sucesso do imperialismo da moda. Além dos tradicionais jornais, revistas, televisão e cinema, o acesso à internet dá testemunho do poder dessa comunicação. Os sites, blogs e redes sociais fazem reverberar os discursos da moda, verbais e não verbais, com alto potencial de penetração.
Ciente do poder da Moda e da comunicação, este espaço foi pensado para discutir assuntos que lhe são concernentes, mais um ponto de vista em meio a tantos que lhe percebem e consomem. Aqui, serão anunciadas tendências, comentados estilos e discutidos assuntos e temáticas referentes à história da moda, o seu poder simbólico, fetiche, transformações e seu caráter comunicador. Nos acompanhe nessa odisseia pelo mundo da moda, comunicação e consumo. Estamos todos envolvidos por esses tentáculos.