Precisamos falar sobre HPV
A contaminação pelo vírus do papiloma humano, mais conhecido como HPV, é fator de risco para diversos tipos de tumor, tais como o câncer do colo de útero, o câncer de cabeça e pescoço – combatido na campanha ‘Julho Verde’ – e os que atingem outros órgãos, tais como pênis, canal anal, vulva e vagina. Contudo, desde o início da pandemia de covid-19, boa parte do público que deveria ter se vacinado contra o HPV não recebeu o imunizante. A vacina é disponibilizada gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas de 9 a 14 anos, meninos de 11 a 14, soropositivos e transplantados de 9 a 26 anos de idade.
Entre as razões que explicam a redução das taxas de vacinação contra o HPV estão o medo do contágio pelo coronavírus nos postos de vacinação, a falta de vacinas, a baixa confiança de algumas pessoas na eficácia e segurança do imunizante (atrelada ao movimento mundial antivacina) e a ausência de informações. De acordo com a oncologista Renata Cangussu, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – Regional Bahia (Sboc-Ba) e integrante do Grupo Mulheres na Oncologia, se a vacinação contra o HPV não for retomada em massa rapidamente e se as outras formas de prevenção dos tumores forem negligenciadas teremos, num futuro próximo, uma epidemia de câncer no Brasil.
“Estamos muito preocupadas e por isso decidimos alertar a sociedade. Assim como estão cada vez mais conscientes sobre a relevância da vacina contra a covid-19, as pessoas precisam entender que abrir mão da imunização contra o HPV é um grande risco também”, declarou a oncologista. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 54,6% dos brasileiros entre 16 e 25 anos estão infectados com um dos mais de 150 tipos de HPV, sendo que 38,4% são portadores dos subtipos de alto risco, associados a algum tipo de câncer. A infecção pelo HPV é frequente, mas costuma ser transitória, regredido espontaneamente na maioria das vezes. Quando a infecção persiste e é causada por um tipo viral oncogênico, pode ocorrer o desenvolvimento de lesões precursoras que, se não forem tratadas, podem causar câncer.
Julho Verde – O movimento ‘Julho Verde’, em curso, chama a atenção da sociedade para a prevenção do câncer de cabeça e pescoço, o quinto mais incidente no Brasil tanto em homens quanto em mulheres e o nono mais comum no mundo. Esse tipo de tumor afeta língua e boca, laringe, faringe, seios paranasais, cavidade nasal, glândulas salivares, ossos da face e tireoide. Além de chamar a atenção para a importância do diagnóstico precoce, a campanha alerta para o fato de que a vacina anti-HPV contribui para reduzir o número de casos da doença.
Evitar o tabagismo (fumo) e o etilismo (álcool) são outras formas importantes de prevenir o câncer na cavidade oral. Outras formas de prevenção são: manter uma boa higiene bucal e evitar o uso de próteses dentárias mal adaptadas. Devido ao retardo no diagnóstico, a maioria dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço já são diagnosticados em estado avançado, quando as chances de cura são menores. Qualquer lesão ou caroço na boca, garganta ou pescoço que dure mais de três semanas merece uma investigação assim como rouquidão, dificuldade de engolir ou dor de garganta persistente.
Ultimamente, o aumento da incidência dos tumores de cabeça e pescoço entre os jovens tem chamado a atenção dos oncologistas. “Esse tipo de tumor acometia, basicamente, pacientes mais idosos, tabagistas e etilistas. Porém, nos últimos 30 anos, o vírus HPV tem contribuído para maior incidência em jovens. Uma das formas de contágio por essa infecção, em ambos os sexos, é a prática do sexo oral desprotegido e de relações sexuais com múltiplos parceiros. Pouquíssimas são as pessoas que relacionam o sexo seguro à prevenção do câncer”, pontuou Renata Cangussu.
Colo de Útero – O câncer de colo de útero em estágio inicial não apresenta sintomas, mas conforme a doença avança podem aparecer sangramento vaginal, corrimento e dor. Fatores ligados à imunidade, à genética e ao comportamento sexual parecem influenciar os mecanismos que determinam a regressão ou a persistência da infecção pelo HPV e também a progressão para lesões precursoras ou câncer. O tabagismo, o início precoce da vida sexual, o número elevado de parceiros sexuais e de gestações, o uso de pílula anticoncepcional e a imunossupressão (causada por infecção por HIV ou uso de imunossupressores) são considerados fatores de risco para o desenvolvimento desse tipo de tumor. A idade também interfere nesse processo, já que a maioria das infecções por HPV em mulheres com menos de 30 anos regride espontaneamente, ao passo que acima dessa idade a persistência é mais frequente.
Segundo Renata Cangussu, a prevenção deve ser feita mediante vacinação contra o HPV antes do início da vida sexual e por meio do exame preventivo (papanicolaou ou citopatológico), capaz de detectar as lesões precursoras. Quando as alterações que antecedem o câncer são identificadas e tratadas é possível prevenir a doença em 100% dos casos. O exame deve ser feito preferencialmente pelas mulheres entre 25 e 64 anos, que têm ou já tiveram atividade sexual. “Temos informações de que muitas mulheres deixaram de fazer o exame preventivo ginecológico em 2020 e 2021 por medo de coronavírus. Não adianta se proteger de uma doença e facilitar a chegada de outras. O autocuidado não pode parar, pois a covid-19 não deu férias ao câncer”, concluiu a presidente da Sboc-Ba.